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Apesar de lei municipal que garante o uso de nome social, casos de desrespeito ainda acontecem em Mogi das Cruzes


Em Mogi das Cruzes, nome social é direito garantido por lei nos atendimentos públicos

Reprodução/Internet

Mesmo com leis nas esferas federal, estadual e municipal que garantem que pessoas transexuais sejam identificadas pelos nomes sociais em unidades de saúde, Mogi das Cruzes no segundo semestre de 2025, registrou ao menos dois casos de desrespeito em menos de um mês.

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A lei municipal 7.728 de novembro de 2021, determina que transexuais e travestis tenham o direito de serem identificadas com o nome social nos atendimentos públicos mesmo que ele não conste nos documentos. Nome social é o nome pelo qual a travesti ou transexual prefere ser chamada.

Mas não foi o que aconteceu com Ísis Leme dos Santos, de 27 anos. Ela buscou atendimento na UPA do Rodeio em 21 de julho e, apesar da lei, afirmou que uma das enfermeiras da unidade não a chamou pelo nome social.

O caso mais recente aconteceu no dia 15 de agosto. Uma enfermeira da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Jardim Universo não teria chamado Ágatha dos Santos pelo nome social durante a triagem. O desentendimento resultou em uma agressão entre a paciente e a enfermeira (veja mais detalhes abaixo).

O Fórum Mogiano LGBT afirma que já solicitou à Secretaria da Saúde alteração nas fichas médicas para o nome social aparecer em destaque. Segundo a entidade, a medida pode evitar constrangimento para pessoas trans, travestis e profissionais da saúde.

Outra cobrança do fórum é a implantação de um protocolo de atendimento a pessoas trans, campanhas de conscientização sobre saúde da população LGBT e formação contínua dos profissionais de saúde.

A Prefeitura de Mogi das Cruzes informou que investe em formação continuada aos profissionais de saúde em relação ao acolhimento do público LGBTQIAP+ e que eles têm atividades relacionadas ao tema que serão desenvolvidas em agosto e setembro (leia nota completa abaixo).

Confusão e agressão

A cozinheira hospitalar Ágatha dos Santos, de 31 anos, foi até a UPA do Jardim Universo para tratar sintomas de sinusite.

Ela contou que todas às vezes que procurou atendimento na unidade sempre foi chamada pelo nome social, e inclusive, foi a própria unidade que incluiu o nome social no cadastro dela no Sistema Integrado de Saúde (SIS).

De acordo com o boletim de ocorrência, assim que chegou na sala da triagem ela pediu para ser chamada pelo nome social.

Durante o atendimento, a enfermeira Bruna Volponi teria informado que não poderia colocar o nome social no sistema de triagem, apenas o de registro.

No boletim consta que a paciente corrigiu a profissional algumas vezes devido à forma como a chamou. E a enfermeira teria respondido que como já trabalhou em cartório sabia que a alteração do nome nos documentos era um processo rápido.

No entanto, Ághata explicou que existe uma lei que garante o direito de ser chamada pelo nome social, mesmo não trocando nos documentos.

Ághata relatou à polícia que a enfermeira a chamou pelo nome masculino diversas vezes. Ela disse ainda que Bruna a provocou, usando o nome do registro para perguntar se a paciente iria lhe bater.

A paciente contou em depoimento que não suportou as provocações e deu um tapa no rosto da profissional. Os profissionais da unidade separaram a briga, mas segundo Ágatha a enfermeira teria jogado um pedaço de ferro que a atingiu e cortou sua cabeça.

A enfermeira Bruna Volponi explicou que não poderia chamar a paciente pelo nome social, porque não há essa possibilidade no sistema de triagem da UPA.

“Existe a possibilidade sim [de chamar pelo nome social], mas não na triagem, somente na recepção, que é o atendimento seguinte. Por isso, usamos o suposta na frente dos nomes de pacientes sem comprovação de documento, isso com qualquer paciente sendo criança, mulher, homem e situação de rua.”

Como a paciente estava alterada, a profissional perguntou se ela gostaria que o atendimento fosse acompanhado pela Guarda Civil Municipal (GCM), já que estava se sentindo desrespeitada.

Neste momento, a mulher teria dado um soco em seu rosto. Bruna relatou que foi a primeira vez que sofreu uma agressão no trabalho. “Já sofria ameaças, xingamentos, não somente eu, mas todos os funcionários, porém, agressão física foi a primeira vez”.

Ágatha destacou que não se orgulha do que aconteceu, que nunca agrediu ninguém e lamentou o ocorrido.

“O sistema que Mogi peca, porque antes de a gente abrir a ficha para ser encaminhada para o médico, a gente passa na triagem e na triagem para abrir a ficha, eles colocam antes do nosso nome suposto ou suposta. Então, isso para mim era de uma humilhação também, eu sentada lá e aparece no painel, suposta Agatha do Santos, guichê três, entendeu?! Aí eu vou até o guichê, aí quando a menina do guichê abre a ficha, aí sim, vai constar o meu nome social. Então, antes disso, quando aparece lá suposta na frente de todos no posto, eu levanto, o posto inteiro na hora olha pra gente”, desabafou.

Ela lembrou ainda que nunca foi tratada com transfobia na unidade e que equívocos já aconteceram, mas sempre houve um pedido de desculpa dos funcionários.

O caso foi registrado como lesão corporal recíproca e preconceito na Central de Polícia Judiciária (CPJ) de Mogi das Cruzes.

Luta por direitos

Para o Fórum Mogiano LGBT as unidades de saúde de Mogi das Cruzes não cumprem a Lei Municipal 7.728 de novembro de 2021. Ela determina que transexuais e travestis tenham o direito de serem chamadas pelos seus nomes sociais mesmo que não constem nos documentos nos atendimentos públicos da cidade.

A Prefeitura de Mogi das Cruzes assegura que no sistema de informação de todas as unidades de saúde, consta o campo para inserção do nome social (leia mais abaixo).

O nome social não precisa constar na certidão de nascimento. Além da lei municipal, ele é assegurado também pelo Decreto do Superior Tribunal Federal (STF) de número 8.727 de 2016.

Gustavo Don, co-fundador do Fórum Mogiano LGBT e ex-membro do Conselho Municipal de Saúde de Mogi das Cruzes, afirmou que o sistema de triagem das unidades não disponibiliza a possibilidade de incluir o nome social. Essa alternativa só é possível a partir do preenchimento do cadastro na recepção do local.

“A paciente foi chamada de suposta Ágatha, a questão de não ter no RG, não é obrigado. A pessoa trans se identifica na triagem e tem que ter no sistema a possibilidade do nome social. A gente percebe que a prefeitura ou OS está errando nisso. O nome social na ficha fica em segunda em plano”.

De acordo com ele, o Fórum já solicitou à Secretaria da Saúde a alteração nas fichas médicas para o nome social aparecer em destaque, para evitar constrangimento de trans e travestis e, dos próprios profissionais.

“Não tem protocolo de atendimento a pessoas trans. A gente tem cobrado isso. A gente cobra que isso precisa ser feito com urgência, assim como campanhas de conscientização sobre saúde da população LGBT e a formação dos profissionais de saúde precisa ser contínua”.

Gustavo Don afirmou que desde 2021, quando a lei do nome social foi aprovada na cidade, os profissionais da saúde não passaram mais por formações sobre o tema.

“A gente está todo esse período sem essa preocupação da gestão pública. O Fórum sempre participou do Conselho de Saúde e segue cobrando melhorias no atendimento, não só pra a população LGBT, mas também melhorias no trabalho dos profissionais”.

Segundo Don, na última reunião do Conselho de Saúde a secretária municipal de Saúde, Rebeca Barufi, se disponibilizou a verificar a possibilidade de deixar mais explícito o nome social no sistema das unidades. No entanto, não definiu um prazo para isso acontecer.

Don explicou ainda que o Fórum repudia a violência, mas orienta que a prefeitura tome ações para que casos de transfobia não ocorram novamente nas unidades de atendimento. Para ele, é necessário atualizar o sistema de triagem.

“Teve um erro da Prefeitura em não respeitar a paciente conforme a lei do nome social. A gente espera que a agressora seja punida, não tem justificativa. Mas a gente espera que a Prefeitura tenha política de atendimento à população LGBTQIA+”, detalhou.

Lei e Decretos

O Superior Tribunal Federal (STF), por meio do decreto 4.275 de 2018, possibilitou que transexuais e travestis alterem seu nome no registro civil independente da cirurgia de redesignação de sexo.

Esse decreto abriu precedente para que os municípios e estados passassem a ter autonomia para legislar suas próprias leis e decretos em relação ao tema.

Mogi das Cruzes aprovou em 2021, a lei que determina o direito de transexuais e travestis serem chamados pelo nome social em serviços municipais diretos e indiretos, mesmo sem constar em seus documentos.

Já o estado de São Paulo decretou em março de 2010, o usos do nome social em serviços públicos estaduais, diretos e indiretos.

Thiago Quinelato é presidente da Comissão de diversidade sexual e gênero da Ordem dos Advogados (OAB) de Mogi das Cruzes. Ele apontou que é necessária uma investigação administrativa sobre o caso da transexual Ágatha na UPA do Jardim Universo.

“A providência mais adequada devia ser tomada pela Prefeitura, que é a instauração de um procedimento disciplinar pra apurar essa prática vexatória acontecida em um ambiente de saúde”.

O advogado explicou que o uso do nome social independente de qualquer exigência de alteração no documento.

No entanto, a Lei 14.382 de 2022 alterou o artigo 56 da lei que se refere ao registro público. Essa atualização facilitou a alteração de nome e pronome. “Qualquer pessoa pode ir ao cartório alterar seu nome e registro, independente da cirurgia.”

Para realizar o processo, é necessário pagar algumas taxas que variam de estado para estado.

“A Constituição Federal garante que a pessoa trans ou travesti que não tem condição de arcar com essa taxa, solicite ao cartório a gratuidade processual. Aí ficam isentas das custas do processo”, informou o presidente da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero.

O advogado alertou que caso exista negativa do cartório existe a possibilidade de recorrer ao judiciário e exigir o direito à gratuidade.

Em 2021, Câmara de Mogi das Cruzes aprovou lei que garante a trans e travestis serem chamados pelo nome social

Diego Barbieri/Câmara Municipal de Mogi das Cruzes

O que diz a prefeitura de Mogi das Cruzes

O g1 solicitou uma entrevista com a secretária municipal de Saúde, Rebeca Barufi, entretanto a Prefeitura informou que ela não tinha disponibilidade.

E por nota, informou que o sistema das unidades de saúde já disponibiliza o campo para inserção do nome social dos pacientes tanto na recepção como no momento da triagem.

A administração explicou que existe formação continuada dos profissionais de saúde em relação ao acolhimento adequado do público LGBTQIAP+. 

A administração explicou que existe formação continuada dos profissionais de saúde em relação ao acolhimento adequado do público LGBTQIAP+. 

Segundo a Prefeitura, eles devem participar de atividades relacionadas ao tema no final de agosto e setembro.

Em relação ao caso de transfobia ocorrido no dia 21 de julho deste ano na UPA do Rodeio, a Prefeitura informou que a Fundação ABC que administra a unidade, ainda não concluiu a sindicância que apura o caso.

O que diz a Fundação do ABC

Por meio de nota, a Fundação do ABC informou que:

" A Fundação do ABC lamenta e repudia o episódio de violência ocorrido no dia 15/08/2025 na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Jardim Universo, em Mogi das Cruzes, que resultou em ferimentos graves a uma integrante da equipe de enfermagem.

A instituição se solidariza com a colaboradora covardemente agredida, que recebeu atendimento imediato, acompanhamento médico e todo o suporte necessário, além de ter sido encaminhada e acompanhada até a delegacia, onde foi lavrado o boletim de ocorrência.

É preciso salientar que não houve nenhum episódio de transfobia. O atendimento à paciente trans que promoveu as agressões transcorreu normalmente, seguindo todos os protocolos e trâmites de rotina da unidade.

A paciente trans solicitou ser chamada pelo seu nome social, o que foi atendido de imediato, assim como a inclusão do nome social no registro de atendimento. Apesar disso, a colaboradora da UPA foi agredida fisicamente durante o atendimento, fato inadmissível e que fere os princípios de respeito e segurança no ambiente de saúde.

A Fundação do ABC reitera que não tolera qualquer forma de violência contra seus profissionais e que todas as providências cabíveis estão sendo tomadas, incluindo o acionamento das autoridades competentes".

Em julho deste ano, a UPA do Rodeio registrou caso de transfobia

Guilherme Berti/ PMMC

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