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Arthur Nogueira mergulha na poesia moderna de Antonio Cicero em show de atmosfera gay e clima invernal


Arthur Nogueira (ao centro, ao violão) apresenta no clube Manouche show calcado na obra do poeta e letrista Antonio Cicero (1945 – 2024)

Rodrigo Goffredo

♫ OPINIÃO SOBRE SHOW

Título: Arthur Nogueira canta Antonio Cicero – Embarque para Citera

Artista: Arthur Nogueira

Data e local: 14 de agosto de 2025 no Manouche (Rio de Janeiro, RJ)

Cotação: ★ ★ ★

♬ Em 2015, Arthur Nogueira festejou os 70 anos de Antonio Cicero com o álbum Presente, antologia de canções com letras do poeta e compositor carioca que o paraense Nogueira – também ele um poeta que compõe – conheceu na cidade natal de Belém (PA), ainda adolescente, em sessão de autógrafos, sem sonhar naquele momento que se tornaria parceiro de Cicero, o último de obra musical iniciada em 1976 à revelia do poeta quando Marina Lima pôs música nos versos do poema Canção da alma caiada.

Dez anos depois, o poeta – que completaria 80 anos em outubro – se faz presente somente através da obra imortal. E é nesse cancioneiro que o parceiro do poeta no rock Sem medo nem esperança (2015) mergulha no show Arthur Nogueira canta Antonio Cicero – Embarque para Citera (2025).

Seis meses após ter estreado em fevereiro em São Paulo (SP), o show aportou no Rio de Janeiro (RJ), no palco do clube Manouche, na noite de quinta-feira, 14 de agosto, para celebrar a existência de Antonio Cicero Correia Lima (6 de outubro de 1945 – 23 de outubro de 2024) na cidade natal que inspirou a escrita moderna de letras como a de Virgem (1987), uma das mais famosas parcerias do compositor e filósofo com a irmã Marina Lima.

Entre canções e récitas de poemas, bem intercalados no roteiro aberto com Maresia (Paulo Machado e Antonio Cicero) e turbinado com projeções de imagens de autoria do cineasta Vitor Souza Lima, Nogueira apresentou show de atmosfera gay, explicitada pelo canto de músicas como Onda (2015), composta por Nogueira a partir dos versos de soneto publicado por Cicero no livro Guardar (1996). O mar foi o mote de boa parte do show.

Ficou evidente que, em cena, o artista estava inteiramente tragado pelos versos de Cicero em estado emotivo que, contudo, quase nunca atravessou o palco e chegou à plateia. O clima invernal da apresentação contrastou com a quentura de letras e poemas escritos sob inspiração dos desejos (por homens) sentidos em verões cariocas, presumível estação de Olhos felizes (Marina Lima e Antonio Cicero, 1980), música cantada por Nogueira com o “tesão” censurado da letra original e substituído por “tição” na gravação dessa canção que batizou o segundo álbum de Marina.

Como sublinhou Nogueira diversas vezes, a obra de Cicero está entranhada no Rio de Janeiro (RJ), cidade natal do artista. Intérprete de canto grave mais vocacionado para canções introspectivas, Arthur Nogueira abriu os braços sem fazer um país em Fullgás (Marina Lima e Antonio Cicero, 1984) e tampouco se afinou com o balanço de À francesa (Claudio Zoli e Antonio Cicero, 1989).

Em contrapartida, por ter total entendimento dos significados da escrita de Cicero, o artista construiu roteiro bem alinhavado em que tudo fez sentido poético.

Cantar Truques (Arthur Nogueira e Antonio Cicero, 2015) na sequência de exibição de cena do filme italiano A grande beleza (2013), por exemplo, foi infalível ardil para fisgar a atenção do público para os versos da música. Até porque muitas vezes o pulso da poesia de Antonio Cicero se impôs sobre o fluxo melódico de canções que nem sempre acompanharam a força da inspiração do poeta. Quando poesia e melodia se irmanam no mesmo plano, como em Três (2006), última grande músicas da parceria de Cicero com Marina, a mágica sempre se fez.

Geralmente acompanhando-se ao violão (substituto da guitarra usada nos números iniciais), Arthur Nogueira fez show que pareceu mais longo do que de fato foi. Talvez porque músicas como Simbiose (Arthur Nogueira e Antonio Cicero, 2015) pedissem outro tipo de ambientação instrumental, mais sintética, para que tivesse ficado evidenciada em cena a beleza eternizada na gravação do álbum Sem medo nem esperança (2015).

Após cantar duas parcerias de Cicero com Adriana Calcanhotto, Água perrier (1992) e Inverno (1994), Arthur Nogueira dividiu o palco com o guitarrista Lucca Francisco nos números finais do show. Foi quando o artista buscou interação com o público ao incentivar o coro da plateia no canto a capella do refrão de O último romântico (Lulu Santos, Sergio Souza e Antonio Cicero, 1984).

Enfim, do ponto de vista poético, a viagem proposta por Arthur Nogueira em Embarque para Citera chegou ao destino, conduzindo o tripulante ao rico reino das palavras do imortal Antonio Cicero.

Arthur Nogueira dá voz a letras e poemas de Antonio Cicero (1945 – 2024) no show 'Embarque para Cítera'

Rodrigo Goffredo

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