Factory Music foi um dos grandes nomes da cena noturna sorocabana nos anos 90
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Com o passar das décadas, a cena do entretenimento de Sorocaba (SP) passou por inúmeras transformações. Dos grandes clubes de carteado aos "botecos", dos bailes às baladas, dos lugares fechados às ruas... em todas as ocasiões, existe algo em comum: a criação de memórias que, até hoje, marcam a história da cidade.
Para celebrar o aniversário de Sorocaba, que completou 371 anos na sexta-feira (15), o g1 preparou uma série de reportagens especiais (confira mais abaixo). Apesar de a idade ser comemorada em 2025, esta matéria te convida para voltar no tempo e conhecer histórias de lugares que marcaram o entretenimento da cidade.
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No caso dos jovens dos anos 1990, é impossível o nome Factory Music não ser mencionado ao pensar em agito. Até 2001, a balada era o principal nome da cena noturna da cidade e, inclusive, era frequentada por diversas celebridades brasileiras e possuía festas com temas únicos.
O fundador do local, Sérgio Guariglia, conta que a boate surgiu ao passar a adolescência inteira sendo um bom amante de festas e música. Antes disso, ele trabalhava como DJ em festas e casamentos.
"Aos 12, eu já fazia 'bailinhos' de garagem e em aniversários de amigas com equipamentos bem rudimentares. Com 18, comecei profissionalmente como DJ e, logo, fui contratado para trabalhar em uma casa noturna. Cheguei a me apresentar em diversos lugares durante a semana e, por conta disso, minha esposa também decidiu entrar no meio para me ajudar", conta.
Local atraía diversos jovens durante os anos 1990
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Sérgio, ou Krika, como ficou conhecido no ramo do entretenimento, chegou a montar uma casa noturna ainda em 1989, porém não obteve um bom retorno. Em 1992, ele investiu na abertura de um lugar voltado para jovens e, assim, surgiu a Factory Music. Até o seu fechamento, ela era localizada na Rua da Penha, no Centro.
"Procurei diversos salões e fiquei muito interessado em um, que havia uma placa escrito 'fábrica' bem na frente. Fui entender mais sobre e descobri que o dono do prédio era um amigo meu, que ficou entusiasmado com a ideia. O nome, primeiramente, seria Fábrica da Música, mas o pessoal disse que não era legal. Outro amigo meu, professor de inglês, deu a ideia de Factory Music. E assim ficou", revela.
Três anos depois, já com o sucesso à vista, o empresário também abriu uma unidade da boate em São Carlos (SP). De acordo com ele, o lugar é visto como pioneiro na cidade, inclusive, por conta de detalhes mínimos, como a vestimenta dos funcionários e seu método de divulgação.
"A Factory foi pioneira em muita coisa e nos mínimos detalhes. Até a vestimenta dos seguranças era marcante e, por isso, chamavam-nos de Robocop da Factory. O sistema de som e luz era à frente do tempo para a época e nós fomos a primeira casa noturna da cidade a adotar o sistema de flyers para divulgação. Hoje, eles são considerados itens para colecionadores e são vendidos a preços altos na Feira da Barganha", menciona.
Factory Music em dia de 'Noite do Terror'
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Na visão de Krika, que também foi o fundador de outros nomes marcantes do entretenimento noturno da cidade, como o Tribeca Café e o Runa Club, a Factory Music foi "divisora de águas". Em 2001, ele vendeu a balada a um grupo de investidores da capital paulista e, três anos depois, o espaço foi fechado oficialmente.
"Existe a noite sorocabana antes e depois da Factory. Foi pioneira em ter telões, um sistema de marketing diferenciado e, claro, muito respeito e cordialidade no atendimento. Vendi para um grupo de empresários de São Paulo, que mudaram o nome do lugar e a forma de funcionamento. Infelizmente, ela fechou poucos anos depois", lamenta.
Como se não bastasse, Sérgio foi o principal organizador de festas temáticas e do concurso Garoto e Garota Factory, que, segundo ele, era capaz de parar a cidade e reunir uma multidão de jovens para descobrir quem seria o "novo rosto" do local.
"Tinha a noite da espuma, a noite da porca e do parafuso, onde os homens recebiam um parafuso e as mulheres uma porca e, durante a noite, eles tinham que encontrar qual encaixava com qual. O concurso da Garota Factory elegia a mais bela estudante da cidade. Uma delas chegou a se tornar Miss São Paulo", conta.
Referência entre celebridades
Relembre locais que marcaram o entretenimento de Sorocaba no século XX
E, por falar no concurso, essa é só uma das milhares de memórias em relação ao local que a jornalista Karen Parada, também de Sorocaba, guarda com muito apreço no coração. Semifinalista, ela contou ao g1 que começou a frequentar o local ainda quando era adolescente.
"Havia as matinês nos domingos, que os adolescentes podiam ir. Dos 13 aos 17, entre 1996 e 2000, a domingueira na Factory era sagrada. Eu fui promoter, então, não ia somente para curtir. Distribuía, no shopping e na escola, os cartões que garantiam desconto na entrada. Eu fazia parte daquilo tudo", detalha.
Karen relembra que, durante o período que frequentou a Factory Music, diversas celebridades nacionalmente reconhecidas curtiram as festas do local. Com apenas 17 anos, ela apresentava um programa na extinta TV Metropolitana, na qual entrevistou boa parte dos famosos, incluindo Fernanda Paes Leme e Roger Gobeth. Assista acima.
Celebridades eram convidadas para frequentar o local
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Hoje, mesmo com o local desativado, há festas pela cidade que levam o nome da Factory Music, com o objetivo de explorar o sentimento nostálgico que existe entre os jovens da época. Inclusive, foi em um desses eventos que Karen conheceu seu atual namorado.
"Conheci o Régis em uma das festas de recordação anos depois, em fevereiro de 2024. Nosso primeiro contato foi no grupo de WhatsApp da festa, nos conhecemos pessoalmente lá e o resto é história. Estamos juntos até hoje", conta.
"A Factory mudou a minha vida. É impossível lembrar dessa fase da minha vida sem sentir uma ponta de saudade. Foi um tempo leve, cheio de energia, de música alta e coração acelerado. Às vezes, tenho sonhos à noite como se eu estivesse lá, dançando com a 'galera do passinho'", reflete.
Local organizava festas para adolescentes aos domingos
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Outra visão da pista
O DJ César Barbosa foi um dos principais responsáveis por consolidar o nome da festa por toda a cidade. Anteriormente, o profissional já trabalhava na área de eventos, mas foi na Factory Music que ele decidiu se aventurar como DJ pela primeira vez.
"Eu já era amigo do Krika e da esposa dele, a Lúcia, antes de o lugar abrir. Havia a GP Som e Luz, uma empresa voltada para eventos. Depois que lá abriu, eu passei a fazer a parte das músicas e de iluminação e, pouco tempo depois, apresentava os eventos como se fosse um cerimonialista mesmo. Modéstia à parte, nós fizemos festas icônicas", brinca.
César era DJ e apresentador dos eventos da Factory
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César conta que, de início, aprendia a tocar em uma mesa de som com os amigos e também fundadores do local. A partir daí, ele passou a ter uma outra visão e função na pista: virado para o público, agitando com as melhores músicas da época.
"Naquele tempo, o 'forte' era o ítalo house. A gente gostava de tocar coisas bem comerciais, um 'chicletão' mesmo, que grudava na cabeça das pessoas. Mas os eventos gigantes eram aqueles que trazíamos atrações internacionais e as festas aos domingos", pontua.
"Nós fizemos um trabalho muito bonito, muito legal e que nos orgulhamos muito. Às vezes, o pessoal manda para nós que conheceu o marido/esposa em uma de nossas festas. Massageia o nosso ego saber que o nosso trabalho produziu frutos a curto e longo prazo. Somos muito contentes de termos feito parte de uma geração tão incrível", celebra.
Pista de dança da Factory Music
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Mesmo com todo o sentimento nostálgico e festas para recordar as memórias de antigamente, Krika afirma que não pretende reativar o local. Segundo o proprietário, a preferência do público jovem atual é diferente em comparação com três décadas atrás.
"Não creio que um dia ela será reativada. O auge dela foi nos anos 1990, muito tempo atrás. Os jovens da época estão com mais de 40 anos. Apesar de todo o sucesso, as boas lembranças vão se acabando e sendo esquecidas aos poucos. Não acho propício, pois o gosto musical e pessoal das pessoas se transformou muito com o tempo", opina.
Sorocaba Clube
Sorocaba Clube completará 100 anos em 2026
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Fundado em 1926, o Sorocaba Clube é um nome conhecido por, ao menos, uma grande parte dos moradores da cidade. Ao contrário da Factory Music, o local segue firme e forte, com eventos até hoje, em frente à Praça da Catedral.
O presidente atual do clube, Benedito Maciel, explica que a história do clube, que hoje é tombado como patrimônio histórico, começou antes mesmo de sua fundação oficial, no início dos anos 1910. Entre seus fundadores, estava Afonso Vergueiro, cujo nome hoje representa uma das avenidas mais movimentadas da cidade.
"Ele surgiu como uma opção natural aos grandes proprietários de terra no século XX, que buscavam um lugar mais reservado para jogar carteado. Anteriormente, eles frequentavam o Club Aymorés, mas saíram de lá cansados por perder partidas que, segundo eles, os ganhadores trocavam dicas durante o jogo", revela.
Veja o antes e depois do bar do Sorocaba Clube
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O tempo foi passando e, com ele, as esposas dos homens passaram a querer uma opção de entretenimento. De acordo com o presidente, que também é historiador, elas ficaram cansadas de "apenas ficar em casa e cuidar da família".
"Elas queriam um lugar para bailes e espaços familiares. Assim, em 9 de novembro de 1926, o Sorocaba Clube foi oficialmente fundado, com 180 membros, ocupando um casarão na Praça Coronel Fernando Prestes que, à época, era conhecido como Largo da Matriz", detalha.
O clube esteve situado no endereço até a década de 1940, época em que foi transferido para o local onde persiste até os dias atuais. O prédio foi construído com uma arquitetura mediterrânea, feita especificamente para abrigar o Sorocaba Clube, que, por conta do estilo de construção, recebeu o apelido de "palaciano".
Nas décadas seguintes, especialmente entre os anos 1950 e 1960, o clube se tornou referência social e cultural na cidade. Foi palco de grandes carnavais, bailes e eventos tradicionais, como os bailes de debutantes. Veja a galeria:
Veja o antes e depois dos ambientes do Sorocaba Clube
"O Sorocaba Clube foi o momento nessa época. As melhores orquestras tocavam aqui, os melhores jogos de cartas ficavam aqui, os melhores bailes de debutantes eram aqui. Inclusive, essa foi uma tradição que durou longas décadas. Era o evento do ano", diz.
O clube foi, assim como a Factory Music, palco de festas originais, como o Carnaval dos Americanos. Feito fora de época, ele foi criado por conta do número de estudantes que vinham dos Estados Unidos a Sorocaba e que queriam conhecer a famosa festa.
"A ideia de fazer um carnaval fora da data deu tão certo que repetimos por muitos e muitos anos. Não era o carnaval da Bahia, cheio de axé, era aquela coisa mais tradicional, com as marchinhas. Nós fazemos até hoje", detalha.
Decoração do Carnaval dos Americanos
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Mas a história do clube não para por aí. O pioneirismo segue, também, na parte das festas noturnas: no subsolo do Sorocaba Clube, fica o Porão 113, considerado a primeira balada em clube da cidade. O número foi escolhido devido ao endereço: Rua São Bento, 113.
"O porão era a discoteca do clube. Nos anos 60, tocavam as antigas sonatas e as canções da época que existiam e faziam sucesso. Mas foi nos anos 70 que ela teve a sua melhor fase. As pessoas que passam por aqui até hoje falam que era imprescindível tocar Beatles. Eles foram os artistas que mais tocaram lá embaixo", recorda.
Maciel é o presidente do clube desde 2018
Diogo Del Cistia/g1
Maciel conta que a "era de ouro" dos eventos do clube veio na metade da década de 1970, com a chegada da disco music. Artistas como Bee Gees, Donna Summer e Olivia Newton-John foram os responsáveis pelos "embalos de sábado à noite" do Sorocaba Clube.
"Durante este período, o Sorocaba foi o principal nome da noite na cidade. Mas o clube era um lugar de elite, não econômica, mas, sim, intelectual. Para se tornar sócio, era necessária uma sindicância e a aprovação de, no mínimo, três pessoas. Não era um lugar de preconceitos, muito pelo contrário, mas possuía regras rigorosas", explica.
Debutantes do Sorocaba Clube
Diogo Del Cistia/g1
Crise financeira e decadência
Já nos anos 1990, o local enfrentou um período de crise econômica. Segundo Maciel, isso se deve ao envelhecimento de sócios e à mudança de opinião popular sobre o entretenimento da cidade.
"A partir de uma certa época, as pessoas passaram a achar muito mais cômodo ir ao bar do que ao clube. Os bares são lugares menores, com roupas mais confortáveis. O Sorocaba, às vezes, tinha traje certo para ir, dependendo da festa. Foi uma opção maior para a comunidade, além de que só havia sócios remissos, ou seja, não eram contribuintes", afirma.
De acordo com o historiador, o Sorocaba Clube passou por um período de decadência entre 2000 e 2018. Por alguns anos, o prédio esteve sob responsabilidade da prefeitura para atividades relacionadas à cultura.
Sorocaba Clube teve 29 presidentes nos últimos 99 anos
Diogo Del Cistia/g1
"Por cinco anos, o prédio esteve alugado à prefeitura. Havia uma pequena fração social para os bailes, mas as atividades principais eram aulas de piano, balé, audições. Os sócios não pagavam mais, porque não atendia às necessidades", alega.
"Nos anos 2000, o clube ficou bastante abandonado. Corredores fechados, cachorros andando pelo local, cheio de latas e lixo. Na parte de cima, tinha um telão de galinheiro que atraía pombas. Era bem difícil e triste de ver", lamenta.
99 é quase 100!
Maciel assumiu a presidência do clube em 2018, com o objetivo de restaurá-lo fisicamente e colocá-lo, com sucesso, de volta à cena do entretenimento sorocabano. Em 2026, o clube celebrará o seu centésimo aniversário com uma programação intimista, porém especial.
"Vou comemorar de forma modesta. Meus amigos, que sempre estiveram aqui, vão me ajudar a comemorar com um baile bem bonito. Quero deixar o piano bar na parte inferior, trazer uma banda boa que toque músicas descontraídas. Além disso, quero fazer um jornal especial, igual ao que existia antigamente, mas com uma edição muito mais memorável", celebra.
Avenida Pereira da Silva
Avenida Pereira da Silva era ponto de encontro entre jovens
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Hoje, o bairro Santa Rosália é regionalmente conhecido pelos seus bares, que ficam entre as ruas Aparecida e Mascarenhas Camelo. Porém muitas pessoas que passam pela Avenida Pereira da Silva sequer imaginam que o local já foi um ponto de encontro muito requisitado pelos jovens dos anos 80.
Marcos Faccini conheceu o evento de pertinho. Para ele, era muito fácil frequentar o lugar, já que ele morava exatamente na mesma avenida.
"Eu morei na Pereira da Silva entre 1979 e 2015. O auge foi na década de 80 e foi uma maravilha. O bairro ainda não era nada comercial, então, havia só as casas e ainda sequer existia um canteiro central. O foco do bairro era outro", lembra.
De acordo com ele, a estrutura do encontro era simples: as pessoas apareciam de carro ou moto aos finais de tarde e, na área próxima ao estádio Walter Ribeiro (CIC), havia uma boa interação entre jovens.
"O movimento era bem grande. Havia uma rádio na cidade que fazia um programa ao vivo, chamado 'Santa Rosália Street'. Lá, eles entrevistavam os jovens ao vivo. De vez em quando, apareciam as 'baratinhas', o nome que apelidamos a polícia. Mas era bem legal", pontua.
Para o morador, o principal objetivo dos jovens era conhecer a "metade da laranja". Apesar de ser em um local público, ele alega que não era um evento desorganizado ou que incomodava os outros moradores da região.
"Não tinha esse negócio de ficar empinando moto por aí. O pessoal ia somente para paquerar. O encontro na avenida durou cerca de uns seis anos e, em todo esse período, não me lembro de nenhum acidente grave que aconteceu por lá. Era simplesmente dar a volta no bairro", conta.
Ponto de encontro ficava próximo ao estádio Walter Ribeiro, o CIC
Reprodução/Google Street View
A aposentada Luciane Garcia é outra que guarda, com muito apreço, as memórias que viveu na Avenida Pereira da Silva.
"Os carros, motos e bicicletas ficavam parados nos dois sentidos da via, enquanto os demais iam e vinham desfilando por ela [risos]. Era só isso. Eu gostava demais e aproveitei muito durante todo o tempo que frequentei. É uma época que deixa saudade e que não volta nunca mais", brinca.
A moradora ainda pontua que, por conta do movimento, algumas empresas chegaram até a fazer propagandas no local. Inclusive, entre elas, estava um dos patrocinadores do lendário Ayrton Senna.
"Foi assim por um bom tempo. As empresas, que sabiam do local lotado, levavam diversas vans com garotas-propaganda para ficar por ali. Cheguei a ver da John Player Special, que era patrocinadora da equipe do Senna, do 'Xou da Xuxa' e muitas outras", finaliza.
*Colaborou sob supervisão de Gabriela Almeida
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